Mania de definição


 


                      
     Temos uma comum mania de definição, na verdade, parecemos neuróticos por definições – faz parte de nosso desejo de controle das coisas à nossa volta, das pessoas e do mundo. “Amar é...” – lembro-me de um álbum de figurinhas da década de 80. Havia neste álbum inúmeras frases com conceitos do que significa amar. Era interessante, e um tanto quanto engraçado, folhear todo o álbum depois de completo: parecia uma história em quadrinhos que intentava descrições sobre o que era um amor verdadeiro. Falar sobre este álbum é apenas uma citação – talvez irônica, talvez amena – a respeito de nosso desejo (quase compulsão) por conceitos e definições.
     Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo cujo pensamento é marcado pelo aparecimento do Movimento “Anti Iluminismo” denominado Romantismo (renascimento do instinto e da emoção), escreveu A vontade de amar. Ao contrário do que podemos pensar sob o primeiro impacto do título da obra e mesmo a partir do que é popularmente disseminado sobre o que seja “romântico”, Schopenhauer não faz alusão a entregas e amores cheios de suspiros. Ele trata do amor como algo bastante instintivo, a partir do qual nos voltamos para o outro não como fonte da satisfação de aspirações fantasiosas ou sonhadoras, e sim, como resposta a uma necessidade de perpetuação da espécie. Já temos aqui um pensador com uma definição a respeito do amor. Emmanuel Lévinas (1905-1995), em contrapartida, afirma que “a ideia de um amor que seria uma confusão entre dois seres” – como que numa mistura, numa simbiose – “é uma falsa ideia romântica”. E apenas estes dois foram citados, mas há muitos outros filósofos (a exemplo de Platão em O Banquete) que buscaram a definição do que seria o amor. 
     O presente texto não será escrito com a intenção de definir este sentimento ou de falar como talvez o vivenciemos de modo incorreto, mas sim, de falar acerca do “objeto” de amor. Uma coisa se pode ter por certa: amor envolve conhecimento e não, “confusão entre dois seres”. Por isso costumamos dizer que a célebre fala “eu te amo” expressa para alguém que se conhece há apenas dois dias ou uma semana pode ser um tanto quanto “utópica”. O que amamos quando dizemos amar? Será que amamos a uma definição que formulamos em nossa mente, como a uma imagem que nos leva a experimentar calafrios e sorrisos (num dito popular “borboletas no estômago”), ou amamos o que nem sequer podemos denominar, conceituar, mas com o qual mantemos um desejo intenso de domínio, de simbiose?
     Na filosofia o processo de conhecimento possui um modelo tradicional: o saber parte do sujeito. É o indivíduo racional, que pensa, quem constrói o saber. E isso é tão óbvio quanto certo. Contudo, pode ser que a situação mude um pouco seu cenário quando o “objeto” de conhecimento é uma outra pessoa. Por que falar sobre isso? Porque no presente momento histórico denominado “pós modernidade” sofremos de uma ansiedade extremada, de uma necessidade do “fast”, da rapidez, do instantâneo. E a pergunta é: será que isso permeia nossas relações? Será que isso não prejudica a construção de uma solidez, bem como a necessidade de suavidade e possibilidade de florescimento? No momento em que conhecemos alguém tendemos logo a denominá-lo, a pregar rótulos, o que muitas vezes é desconcertante para esse alguém – ou para nós mesmos, quando fazem isso conosco. Nalgumas vezes sentimo-nos no direito de falar coisas que as pessoas precisam mudar a partir de nosso julgamento preciso e de nosso senso crítico – por vezes exacerbado –, e será que isso não expressa um desejo de controle também? Controle de pessoas...
      Pode ser que haja a necessidade de romper com uma estrutura de conhecimento nos relacionamentos a partir da qual nós ditamos as regras, julgando saber tudo do outro, mesmo tendo observado tão pouco a respeito dele. Relacionar-se deve ser algo processual. Nosso conhecimento de quem a outra pessoa é não ocorre com apenas um dia de conversa ou poucas horas de convivência semanal. E é interessante pensar sobre isso porque estamos tão acostumados à rápida necessidade de conceitos e definições que não sabemos dar tempo ao tempo, que abandonamos muito rapidamente as coisas e, principalmente, talvez, relações – esquecendo-nos de que cada um possui uma história que o constitui como pessoa. História, e não unidade de processamento de dados a respeito da qual podemos fazer um curso de 30 horas∕aula para tomar conhecimento. Cada um carrega consigo motivos de ser o que é, motivos que só se conhece convivendo-se e não denominando-se rapidamente pelo desejo de definições. Se pessoas são definições, estas são “inomináveis”. Sem rótulos... Suavidade! Disposição para o conhecimento...Abertura para o outro [novo]! 
(Suelen Nery dos Santos)

"SOU CHEIA DE MANIAS. TENHO CARÊNCIAS INSOLÚVEIS. SOU TEIMOSA. HIPOCONDRÍACA. RAIVOSA, QUANDO SINTO-ME ATACADA. NÃO COMO CEBOLA. SÓ ANDO NO BANCO DA FRENTE DOS CARROS. MAS NÃO IMPONHO A MINHA PESSOA A NINGUÉM. NÃO IMPLORO AFETO. NÃO SOU INDISCRETA NAS MINHAS RELAÇÕES. TENHO POUCOS AMIGOS, PORQUE ACHO MAIS INTELIGENTE SER SELETIVO A RESPEITO DAQUELES QUE VOCÊ ESCOLHE PARA CONTAR OS SEUS SEGREDOS. ENTÃO, SE SOU CHATA, NÃO INCOMODO NINGUÉM QUE NÃO QUEIRA SER INCOMODADO. CHATEIO SÓ AQUELES QUE NÃO ME ACHAM UMA CHATA, POR ISSO ME QUEREM AO SEU LADO. ACHO SIM, QUE, ÀS VEZES, DOU TRABALHO. MAS É COMO TER UM ROLLS ROYCE: SE VOCÊ NÃO QUISER TER QUE PAGAR O PREÇO DA MANUTENÇÃO, MUDE PARA UM PASSAT." (Fernanda Young)

Proezas da solidão

 
beleza da solidão


                É possível ouvir de alguns a respeito da solidão como sendo esta um dos “males do século”. Solidão foi assunto de muitos filósofos ao longo dos tempos, acredita-se, porque sentida pelos mesmos. O termo implica no que comumente denominamos “isolamento”, “sentimento de vazio”, e ainda, segundo a terapeuta e educadora Elaine Lili Fong, “sensação de separatividade e desconexão” com o mundo exterior (pessoas e coisas).
                Solidão é algo que, acredito, todos os seres humanos experimentam em determinados momentos da vida. Como tal, é assunto comum não apenas a uma só pessoa, por outro lado, temido, pouco se fala sobre ele. É o que poderia ser chamado, pela sociologia, de “fato social”, tendo em vista ser um fenômeno que se caracteriza por sua generalidade, isto é, não existe para um único sujeito. Experienciar a solidão, então, não é “privilégio” exclusivo de um indivíduo. Costuma-se até questionar: quem nunca esteve numa festa ou noutro ambiente qualquer rodeado de pessoas e, ainda assim, não se sentiu sozinho (ou, segundo Eugenio Mussak escreveu no artigo "Ficar [bem] sozinho" publicado na Revista Vida Simples, solitário - termo mais adequado em virtude da diferença entre solitário e solidão)? A filosofia nomeia isso de solipsismo (uma espécie de solidão existencial).
                Não obstante o caráter pesado com que se apresenta a solidão quero aqui pontuar suas características positivas. Certo é que não se pode esconder seu lado doloroso e angustiante, como uma experiência do nada. Enquanto “fato social” é um fenômeno digno de atenção daqueles que estudam a sociedade e o ser humano. Há também o lado daqueles que optam viverem sozinhos por diversos motivos – formando o que se chama “tendência single”. No entanto, se bem aproveitado e pensado, o momento de experienciação da solidão pode produzir ótimos resultados.
                A solidão não se constitui apenas como um isolamento – até mesmo quando se sente incompreendido por todos – ou de estar incomunicável com o mundo, como no mito da solidão de Robinson Crusoé. Ser só é saber que tudo pode ser trocado entre as pessoas, menos a própria vida, é a relação com o próprio interior. Isso nada tem a ver com pensamento positivo ou mentalização, tem a ver com “ausência assimilada” como escreveu Carlos Drummond de Andrade. O que isso significa? Santo Inácio de Loyola, para os religiosos, pode ajudar nisso quando fala acerca dos Exercícios Espirituais. Para ele tais Exercícios se constituem de exames de consciência, meditação, contemplação, oração vocal ou mental e outras atividades espirituais. “Porque, assim como passear, caminhar e correr são exercícios corporais também se chamam exercícios espirituais os diferentes modos de a pessoa se preparar e dispor para tirar de si todas as afeições desordenadas e, tendo-as afastado, procurar e encontrar a vontade de Deus, na disposição de sua vida para o bem da mesma pessoa”, segundo Santo Inácio.
                Pode-se perceber e acolher, para quem crê, a ação de divina por meio da escolha por não fugir de si mesmo, procurando trabalhar “afeições desordenadas”. Além disso, a percepção da solidão pode ser um momento de aprendizado de si – não importa a idade, sempre se está aprendendo a respeito de si próprio –, de crescimento, de ficar bem consigo mesmo. Pode-se utilizar desse sentimento para aprender a assumir a própria vida e para o fortalecimento do que se é enquanto pessoa. Estar só é ter a própria companhia, dar atenção, acolher a si mesmo segundo Lili Fong; é “ouvir minha própria voz”, como diz a letra de uma música. Solidão traz sentimento de falta, de ausência de pessoas e, como o próprio poeta já aqui citado, Drummond, lastimamos este sentimento. Contudo, ele parece, no poema “Ausência”, afirmar a superação de tal lamento ao afirmar: “Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim”.
                Poderíamos, certamente, falar muitas outras coisas a respeito da solidão, do modo como ela é uma experiência tão comum e ao mesmo tempo uma dor aguda para alguns e bastante incômoda para outros (ou ambas as coisas). Mas é preciso saber que tendo aprendido que “você não pode estar só, se gostar da pessoa com quem fica quando está sozinho”, não será mais tão difícil enfrentar esse sentimento. Há ainda o aprendizado de que, quando assimilada essa realidade, ninguém a rouba de você. É você tomando as rédeas de sua própria vida! Proezas da solidão...
(Suelen Nery dos Santos)
               Recomendo a leitura do artigo de Eduardo Mussak supracitado: http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/059/pensando_bem/conteudo_257613.shtmln
"...QUE MINHA SOLIDÃO ME SIRVA DE COMPANHIA. QUE EU TENHA A CORAGEM DE ME ENFRENTAR. QUE EU SAIBA FICAR COM O NADA E MESMO ASSIM ME SENTIR COMO SE ESTIVESSE PLENA DE TUDO..." (Clarice Lispector)

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