Breve reflexão sobre a alteridade

                Há um filósofo contemporâneo do qual gosto muito de nome Emmanuel Levinas. Poucos já ouviram falar a respeito dele, mas considero-o um filósofo de grande importância devido ao fato de a centralidade de sua filosofia ser a ética. E como é um filósofo judeu uma das influências sobre seu pensamento advém da Bíblia Hebraica. Uma das palavras mais utilizadas por Levinas é a palavra “outro”, o qual é, nas Escrituras, denominado “próximo”. O filósofo fala então sobre a impossibilidade de isolar-se com Deus e esquecer-se desse próximo, podendo por isso ser chamado de “filósofo das relações”.
                Algo a respeito do qual se pode falar em Levinas não diz respeito somente à dimensão da responsabilidade por outro ser humano – dimensão ética –, mas também à dimensão da “alteridade”. Alteridade é diferença e, nas relações, diz-se que é a capacidade de colocar-se no lugar do outro, ou, nas palavras de Frei Beto, é “ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. Quanto menos alteridade existe nas relações pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem. A nossa tendência é colonizar o outro, a partir do princípio de que eu sei e ensino para ele – ‘ele não sabe; eu sei melhor e sei mais do que ele’”. É sobre esse “colonizar o outro” que podemos pensar.
                Para muitas pessoas é realmente difícil a percepção de um outro modo de ser e de executar tarefas. Existe assim a tendência de absolutizar o modo pessoal de ser, pensando ser este o único e correto modo de encarar o mundo e lidar com as situações. Levinas afirma que “toda forma de totalidade é violência”, ou seja, toda vez que desejamos colonizar o outro por meio da imposição de regras e pensamentos que são nossos e maneiras de fazer as coisas estamos praticando uma atitude de violação com respeito a esse outro. E é costume nosso agirmos desse modo, quando, na verdade, podemos mostrar a esse outro uma nova perspectiva sobre a vida, uma maneira diferente de agir em relação a ela, por meio do carinho, do amor e até mesmo da presença atenta e ouvinte. Permitir que esse outro exponha o que pensa sobre a vida e deixar que ele aja à seu modo é realizar o respeito à sua dignidade, à sua alteridade, assim como temos a nossa. Ora, não foi assim que agiu Jesus? Ele foi alguém que esteve cercado da maior diversidade imaginável e das “alteridades” mais curiosas possíveis, a exemplo do impulsivo Pedro.
                Penso que tudo isso aqui escrito deva ser somente o impulso para pensarmos acerca da dimensão da alteridade, tão importante nas relações e com a qual temos tanta dificuldade. A reflexão sobre a alteridade deve permear casamentos, relações pais e filhos, relações de amizade e até mesmo relações de trabalho. O outro que nos cerca é alguém diferente de nós em tudo: em sensações com o mundo externo (tato, olfato, paladar, audição e visão), em sensibilidade, no modo de perceber as coisas, etc. e não um objeto ao qual podemos impor formas de pensar, de fazer coisas e de ver a vida. Podemos auxiliar na mudança de pessoas, mas somente se essas nos solicitarem e se percebermos nelas a abertura para tal e não porque nós tenhamos nos “enervado” com a alteridade das mesmas.
                A alteridade nos conduz a compreender a presença de Deus no outro a partir da mudança de nosso olhar para esse que é tão diverso do “eu”. Nesse sentido, e até conforme reafirma Emmanuel Levinas em seus escritos, o outro constitui epifania do divino, isto é, sua manifestação, sua imagem, e devemos respeitá-lo e enxergá-lo enquanto tal! Deus deve ser a imagem vista no rosto do outro, isso, de tal modo que olhando para ele sejamos conduzidos a servi-lo, compreendê-lo e suportá-lo em amor. Pensar o outro assim, nos conduz à dimensão ética, que é a da responsabilidade, do envolvimento para com esse outro.
Suelen Nery dos Santos - 08/10/2010

6 comentários:

  1. Parabéns pelo texto! Li em um momento bem oportuno. Deus abençoe vc!

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  2. Madrugada de quarta feira...ao pesquisar a diferença entre alteridade e codependencia (as 2 se confundiam em certos aspectos, na minha cabeça), deparei com seu texto. E obrigada pois confirmou e reforçou um ponto de vista. Porque para alguns, a gente ficar disponível é estar na dependencia do outro, e, q. cada um deve seguir a sua vida objetivamente. E a minha perspectiva de olhar para o outro, "o" ao lado, é procurar aprendizado. Daí algumas vezes sou mal interpretada... Enfim.. Obrigada e beijos, e vc. escreve bem.

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  3. Concordo com vc! Também rejeito bastante a posição de dependência do outro... Fica uma dica, caso não tenha assistido: o filme "Na natureza selvagem".
    Abraço e grata pelo elogio! Feliz em q meu texto tenha podido ajudar em algo!

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  4. Suelen Nery,

    Quero muito agradecê-la pelo simples fato de entender o que é auteridade de uma forma tão poética, pois foi exatamente assim que a minha mente absorveu seu texto, como se fosse um lindo poema!
    Eu me deparei hoje com essa palavra que nunca tinha visto e resolvi procurar nos dicionários o que era, qual o seu exato significado e, confesso, não entendi. E, pesquisando mais, me deparo com a sua reflexão, neste seu blog que que acabei de me tornar um dos seus seguidores.
    Fiquei encantado. Parabéns por simplificar a Filosofia para todos nós, simples mortais como eu.
    Desejo-lhe um excelente final de semana!

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  5. Maravilhosas palavras, Suelen. Agradeço de coração você haver compartilhado com todos nós (outros), tanta sabedoria e de forma tão singular. O mundo está precisando de pessoas com sua sensibilidade que nos convida à reflexão. Grato. mtorres.

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    1. Que bom, Marcos! Meu desejo era esse mesmo: o de contribuição para a compreensão do sentido da palavra e o de partilha do que tenho buscado assentar no terreno das ações! Abraços!

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