As vezes é preciso “dar” adeus! Mochila nas costas, pé no caminho. Paulo falava acerca de um fardo que é nosso e que ninguém poderia carregar por nós (Gl 6,5), apesar do apelo de “carregar os fardos uns dos outros” (Gl 6,2). É um pouco sobre tudo o que temos de colocar sobre nossas costas, coisas nossas, objetos necessários, para então colocar o pé no caminho e seguir. Dar “adeus” pode vir substancialmente acompanhado de tantas lembranças e com isso adquirir peso, mas o que ele – o adeus – nunca pode carregar consigo é uma corda amarrada à cintura, corda essa que sempre faz aquele que disse o “adeus” querer retornar.
É preciso dar “adeus!” à segurança da casa dos pais; é preciso dar “adeus!” às seguranças; muitas vezes é preciso dar “adeus!” a colos; é preciso dizer “adeus” à lembranças (aquelas desnecessárias), não se apegar a passados; dar “adeus!” a si mesmo, ao que se foi, para livrar-se de culpa, de cargas pesadas demais para serem levadas durante a caminhada rumo ao “destino do ‘adeus!’”. Entenda o dizer “adeus” à casa dos pais ou aos pais... Não é sair de casa para crescer somente! Dizer “adeus” aos pais não é apenas uma colocação para os “recém adultos”, para os que acabaram de adquirir maioridade e que precisam sair de casa para fazer sua vida que, sabemos, não se faz à sombra dos pais. “Pai” e “mãe” simbolizam quaisquer figuras às quais damos espaço em nossas vidas para nos trazer segurança, que não nos façam desejar sair do ninho, do aconchegante ninho da dependência, da não autonomia, da não escolha, e até... do “não à dor”. Segundo renomados psicanalistas o ser humano é um ser de carência originária, ser de falta, que, em todas as suas relações, busca, inconscientemente, o ventre, o seio materno.
Dizer “adeus” implica por vezes em deixar tanto conforto para trás...! Talvez em deixar ouvidos, conversas – e até conselhos truncados –, significa deixar tudo o que, aparentemente, representa o que de melhor a vida poderia dar, parecendo até que não haveria nada melhor na existência! O “adeus” é desconfortante, incomoda, confronta. Diz respeito também a idéias, conceitos, tudo pronto e acabado, tudo colocado no colo, “comidinha na boca”, melhor: “papinha” – alimento que nem precisamos mastigar.
Dê “adeus” às opiniões sobre você! Encontre o que você acha a seu respeito, melhor, encontre certezas suas (mas também depare-se com as dúvidas). Fundamente suas ideias, deixe fardos que te deram para carregar.
O “adeus” traz a aparência de coisa [momentaneamente] triste. A dor provocada pelo “adeus” parece severa, sádica. Mas na verdade, é apenas irônica. A ironia socrática não tinha o tom de “humor negro” ou sarcástico ao qual fazemos inferência hoje em nosso vocabulário. A ironia socrática era interrogativa – nada além que seu significado etimológico: “interrogação”. A dor então trazida pelo “adeus” é irônica porque questionadora, porque proposta de metanóia, de nova vida, de novas possibilidades, de “adeus” mesmo à arrogância de uma vida sabida, cheia de felicidade, de paz [aparente!], de amor, de harmonia consigo... Que palavrinha rica! Adeus. Breve retirada, breve retirada de um “tudo construído” para uma realocação, realocação no tudo construído e não dado, “tudo construído”, constituído, pensado, elaborado e reelaborado (e sempre aberto a uma nova e repetida ordenação) por si mesmo, por experiências próprias e individuais propostas pela vida. Difícil? Sim!!! – muitas e na maior parte das vezes. Aliás, re-elaboração envolve “labor”, labuta, trabalho. Isso mesmo! Ninguém disse que seria fácil, o próprio Jesus afirmou que teríamos aflições no mundo (Jo 16,33b)! E o bom ânimo, onde fica? O bom ânimo vem de saber que o trabalho será bem feito e trará grande satisfação uma vez entregue a ele com afinco, com desejo de ver a obra realizada, projetos realizados, vida refeita, ou feita.
Por que nos retemos tanto no “não ‘adeus’”? Numa expressão mineira: “Uai, porque é difícil, sô!”. Mas extremamente necessário, pois só cresce na vida quem um dia aprende a dizer “adeus”! Só cresce quem aprende que o “adeus” não é eterno, é só momentâneo, mesmo que cercado de desconstruções. Já pensou que tudo pode ser refeito e de um modo melhor ainda? Ao que você necessita dizer “adeus” em sua vida? Meu abraço fraterno com o desejo de coragem!
Suelen Nery dos Santos
16∕02∕2011